O Censo de Panamá é o primeiro da Ronda de Censos 2010 que incorpora a pergunta de autodefinição étnica e racial para afrodescendentes como resultado de um processo de incidência das organizações e líderes negros. Este processo foi acompanhado por uma assessoria técnica sobre a temática estadística afrodescendente do Instituto Nacional de Estatísticas e Censos. Um ano antes do Censo, foi realizada uma pesquisa para definir a pergunta sobre a autodefinição para a população afrodescendente do Panamá.
No entanto, pelo que aconteceu no campo de trabalho e pelas reações do movimento afrodescendente do Panamá, pude perceber que como em outras experiências, a pergunta não foi feita a todas as pessoas interessadas. Mesmo assim devemos sinalizar que há um importante avanço no que diz respeito às discussões com a cúpula do país, aqueles que manifestaram não somente abertura para analisar o que ocorreu, mas também para fazer o mesmo com os dados e com a qualidade dos dados.
Com somente um dia de Censo, e a propósito da Conferência de Imprensa organizada pela Controladoria Geral da República, instituição sede do Instituto Nacional de Estatística e Censo, líderes afrodescendentes, algum deles membros do Conselho de Etnia Negra, advertiram para uma série de anomalias que lhes foram referidas quanto à pergunta sobre afrodescendentes no Censo. Para o caso Panamá foram incorporadas duas perguntas, uma relacionada à autodeterminação como afrodescendente ou não e a outra especificando se o indivíduo se considera: afroantillano, afrocolonial ou negro.
Além de estas considerações, é importante destacar a realização de uma série de críticas nos meios de comunicação sobre a organização do censo apontando problemas logísticos, limitações no trabalho preparatório no dia da coleta de dados para o Censo. Algumas comunidades, por meio da mídia manifestaram que não tinham sido interrogadas.
Um debate realizado na quinta-feira, 20 de maio, em um meio de comunicação nacional, quatro dias após do censo, uma pesquisa de opinião, revelou que do total de pessoas que ligaram para o programa, 33% se autoidentificou como afrodescendente. Esta sondagem, com mais de 500 participantes, demonstra a importância relativa do tema e o interesse crescente da população negra de identificar-se como tais.
Fazendo uma retrospectiva, podemos considerar que a incorporação desta pergunta de autoidentificação faz parte de um longo processo de visibilidade dos/das afrodescendentes afropanamenhos/as e da região. É importante destacar que, para o caso panamenho, a pergunta relacionada com a pertença étnica e racial não era feita desde 1940, desta forma este processo se torna uma nova experiência tanto para os/as líderes do movimento afrodescendente como para a institucionalização pública.
Contudo, devemos destacar que apesar do esforço político e técnico de incorporar a pergunta, que tinha sido testada no censo experimental, em julho de 2009, não foram investidos os recursos necessários para a sensibilização da sociedade como um todo nem para a formação e capacitação dos/das entrevistadores/as na temática. Isto é especialmente importante porque vivemos em sociedades racistas e discriminadoras que reproduzem na vida corriqueira preconceitos étnicos e raciais, que somente podem ser combatidos com educação e sensibilização. E para o caso das vítimas, urgem processos de informação para elevar a auto-estima e o orgulho de ser parte da população afrodescendente.
Devemos destacar que apesar dos esforços sistemáticos do Conselho da Etnia Negra a campanha de comunicação que realizada foi insuficiente, esta não contou com os recursos e os apoios necessários para que tivesse um impacto em toda a população e particularmente na população afrodescendente.
Todas as discussões originadas a partir da experiência do censo de Panamá e os/as afrodescendentes devem limitar-se à importância dos censos para fazer uma radiografia da sociedade que permita identificar a situação de cada pessoa que vive no país para que o Estado cumpra com o seu mandato constitucional de garantia de direitos através do impulso de políticas públicas de redistribuição da riqueza e de promoção de bem-estar. Entende-se o censo como uma ferramenta para conhecer e reconhecer a diversidade étnica e racial que compõe o país, para a construção de uma nova identidade nacional no contexto de uma democracia inclusiva.
Um elemento muito positivo da primeira semana após o censo é que não há resistência aparente ao tema dos/das afrodescendentes e que os/as responsáveis institucionais assumem com respeito as observações que realizam os líderes do movimento afrodescendente. Este, talvez, seja um momento muito importante para as etapas seguintes de avaliação e analise dos dados, e também para acreditar na cúpula da Controladoria e no INEC sobre seu compromisso de realizar uma Pesquisa Nacional à população em um futuro próximo. Esta situação poderia ser uma das atividades que o governo de Panamá está promovendo para o 2011 - Ano Internacional dos e das Afrodescendentes- declarado pelas Nações Unidas, o Panamá poderia envolver-se na realização da pesquisa.
A propósito dos dados que resultarão do censo, devemos ser completamente rigorosos sobre a qualidade dos mesmos para elaborar propostas que melhorem tudo o que foi feito tanto para Panamá quanto para o resto da região, bem como para que esta experiência se torne em um passo importante do qual seja impossível retroceder. É necessário trabalhar para que em todas as pesquisas e estatísticas nacionais seja incorporada a variável étnica e racial para termos uma informação concreta que coloque em evidência as lacunas nas quais o Estado deve trabalhar.
Deve ser avaliado ainda o papel dos organismos das Nações Unidas no apoio às ações relacionadas como fazer visíveis os/às afrodescendentes no Censo de Panamá. O apoio das agências do Sistema ONU pode contribuir na aceleração de processos e mudanças, entendendo o mandato emanado pela III Conferência Mundial contra o Racismo, que lhe conferiu uma maior importância ao tema da geração de dados de qualidade sobre afrodescendentes para a promoção de políticas públicas.
Os organismos internacionais interessados no tema dos censos apoiaram de maneira parcial o esforço, mas dito apoio não foi diretamente às organizações de afrodescendentes. Particularmente o Projeto sobre Afrodescendentes que o Centro Regional do PNUD de Panamá desenvolve, apoiou com $24 mil dólares americanos ao Ministério de Desenvolvimento Social para a campanha publicitária sobre a importância da autoidentificação dos e das afrodescendentes. O Fundo Nacional também apoiou financeiramente o empenho.
Todos os atores concordam que a campanha, devido aos problemas financeiros anteriormente citados, foi tardia e limitada. Não foi possível trabalhar temas identificados previamente como estratégicos como capacitação e sensibilização dos agentes da pesquisa, a realização de uma campanha na mídia, a promoção de uma coordenação eficiente entre o INEC e as organizações negras e a articulação do negro na campanha geral sobre o censo a fim de destacar alguns temas identificados como indispensáveis para que o esforço tenha bons resultados.
É evidente que a realização do Censo não elimina os obstáculos de coordenação que muitas vezes tem o movimento afrodescendente do Panamá em geral, por isso é necessário tê-los presente no planejamento dos próximos censos. Também urge a necessidade de apresentar estratégias para garantir que o movimento afro- panamenho participe articuladamente nas etapas posteriores de avaliação e analise dos dados coletados.
Para verificar a validez dos dados, uma pesquisa de opinião com uma amostra bem elaborada, a nível nacional, poderia fornecer informação fidedigna sobre a quem foi feita ou não a pergunta de autoidentificação negra. Não obstante, as aproximações apontam que mais de 40% das famílias não foram interrogadas. Mesmo assim, como estamos falando de um censo, a crítica deve ser feita baseada em dados reais e não em especulações ou sondagens sem respaldo técnico. A cooperação internacional poderia contribuir neste sentido para garantir os recursos de uma maneira mais ágil.
Existe um excelente enquadramento para retomar os desafios da analise e avaliação do Censo. É preciso que, no menor prazo possível, seja estabelecida uma agenda de trabalho entre a Controladoria, o INEC, o Conselho da Etnia Negra e sua Secretaria Executiva. O Grupo de Trabalho Afrodescendentes das Américas Censo 2010/2011 deve acompanhar e participar como observador das fases de avaliação e analise da informação, posteriores aos censos, que vão contribuir à construção da fotografia regional dos e das afrodescendentes das Américas e o Caribe.
Epsy Campbell Barr - Coordenadora Executiva do de Trabalho Afrodescendentes das Américas Censo 2010/2011.
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